Capa do livro Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, publicado pela editora Alfaguara. |
A literatura é um espelho da sociedade, refletindo suas dores, alegrias, lutas e esperanças. "Morte e Vida Severina", um auto de Natal escrito por João Cabral de Melo Neto, é um desses espelhos que captura a essência da vida no sertão nordestino, marcada pela seca, pela pobreza e pela luta constante pela sobrevivência. Esta obra, publicada em 1955, permanece relevante até hoje, não apenas como um clássico da literatura brasileira, mas também como um documento social que desafia o tempo.
O protagonista da obra, Severino, é um retirante que representa não apenas a si mesmo, mas todos os Severinos, Marias e Zacarias que deixam suas terras em busca de uma vida melhor. A jornada de Severino é marcada por encontros com a morte, que é uma presença constante e quase personificada ao longo do poema. A morte, aqui, não é apenas o fim da vida, mas também uma metáfora para as condições desumanas enfrentadas pelos habitantes do sertão.
A estrutura da obra em redondilha maior e a escolha do gênero "auto" são significativas. A redondilha maior, uma forma poética tradicional, confere ao texto um ritmo que remete à oralidade e à cultura popular, enquanto o "auto", um tipo de peça medieval com função didática, sugere que há lições a serem aprendidas com a história de Severino. A obra é, portanto, tanto uma celebração da cultura nordestina quanto um comentário sobre as injustiças sociais que afligem a região.
A migração é um tema central em "Morte e Vida Severina". Severino deixa sua terra natal para escapar da "velhice que mata os jovens aos trinta anos", uma referência à expectativa de vida reduzida causada pela dureza do sertão. Sua viagem é repleta de simbolismo, com o Rio Capibaribe guiando-o e, ao mesmo tempo, representando o fluxo da vida e da morte. O rio, que deveria ser fonte de vida, é cortado pelo verão, assim como a esperança dos retirantes é frequentemente interrompida pela realidade árida.
A chegada de Severino ao Recife não traz o alívio esperado. A cidade, com seus cemitérios cheios e sua população marginalizada, é apenas um novo cenário para a mesma luta pela sobrevivência. A conversa entre os coveiros, que Severino ouve ao descansar ao lado de um muro, revela a banalização da morte e a indiferença com que a sociedade trata os mais pobres.
No entanto, a obra não termina em desespero. O nascimento do filho de José, um morador da beira do rio, traz uma mensagem de esperança e renovação. A vida, apesar de todas as adversidades, continua. O conselho de José a Severino, de que a vida deve ser vivida, mesmo que não se possa compreendê-la completamente, é um lembrete de que, apesar da proximidade da morte, há beleza e significado na existência humana.
"Morte e Vida Severina" é uma obra que fala de sofrimento, mas também de resistência. Severino, ao final, escolhe a vida, mesmo que ela seja cheia de desafios. A obra nos convida a refletir sobre as desigualdades sociais e a valorizar a resiliência do espírito humano. É um poema que, embora ambientado no Nordeste dos anos 50, transcende seu contexto e toca o coração de todos que conhecem a luta pela vida.
Em tempos de discussões sobre políticas públicas e direitos humanos, "Morte e Vida Severina" permanece atual. A obra nos lembra da importância de olhar para os marginalizados e de lutar por um mundo mais justo. A literatura, como mostrado por João Cabral de Melo Neto, é uma ferramenta poderosa para provocar mudanças e inspirar compaixão. Que a jornada de Severino continue a iluminar os caminhos daqueles que buscam um futuro melhor.
Referência
Morte e vida severina: contexto, análise, resumo - Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/literatura/morte-e-vida-severina.htm.
Nenhum comentário:
Postar um comentário