Você já teve a sensação de que aquele celular novinho, comprado há pouco tempo, começou a travar do nada? Ou que a impressora resolveu "morrer" misteriosamente depois de alguns meses de uso? Pois é, talvez isso não seja coincidência. Talvez você esteja, assim como milhões de pessoas, sendo vítima da chamada obsolescência programada.
A expressão parece complicada, mas o conceito é bem simples – e um tanto revoltante. Trata-se da prática, adotada por muitas empresas, de projetar produtos com uma vida útil intencionalmente limitada. Em outras palavras: fazem para quebrar. E não estou exagerando. A ideia é que o produto se torne inútil, ultrapassado ou ineficaz em um período de tempo relativamente curto, obrigando o consumidor a comprar outro. E assim o ciclo se repete, como um looping infinito de consumo.
Quando tudo começou a “dar defeito”?
A obsolescência programada não é algo novo. Seus primeiros registros remontam à década de 1920, quando fabricantes de lâmpadas se uniram para limitar a durabilidade das mesmas a mil horas. Isso mesmo: elas podiam durar muito mais, mas era melhor para os negócios que queimassem mais rápido. Esse episódio ficou conhecido como o Cartel Phoebus, e é um dos exemplos mais emblemáticos dessa prática.
De lá pra cá, a ideia se espalhou como praga. Produtos eletrônicos, roupas, eletrodomésticos e até móveis passaram a ser desenhados com um tempo de vida útil específico. A intenção? Garantir que o consumidor continue consumindo. Afinal, se algo dura pra sempre... como vender de novo?
Mas isso é mesmo necessário?
É claro que o mundo mudou. A tecnologia evolui rapidamente e, às vezes, a necessidade de trocar um produto vem da própria inovação. Um celular de cinco anos atrás, por exemplo, pode realmente não suportar os apps atuais. Mas isso é sempre verdade? Será que o avanço tecnológico exige mesmo que a gente troque tudo a cada dois ou três anos?
A resposta, infelizmente, é não. Muitos produtos são construídos com peças de baixa durabilidade ou com sistemas fechados, que impedem upgrades ou consertos. E vamos ser sinceros: quantas vezes você tentou consertar algo e descobriu que o preço da peça era quase o mesmo de um item novo? Isso é proposital. As empresas criam barreiras que desestimulam o conserto e incentivam a substituição.
O impacto no planeta (e no bolso)
Não dá pra falar de obsolescência programada sem tocar no ponto ambiental. O lixo eletrônico é um dos maiores desafios do século XXI. Milhões de toneladas de celulares, notebooks, televisores e outros gadgets são descartados todos os anos, muitas vezes de forma incorreta. E sabe o que é pior? A maior parte desse lixo vai parar em países pobres, onde o impacto é ainda mais devastador.
Além disso, há o peso no bolso. Comprar um novo celular a cada dois anos pode parecer normal, mas representa um custo enorme a longo prazo. Sem contar o desgaste emocional de se sentir sempre “atrasado” tecnologicamente. A lógica do consumo contínuo cria uma sensação constante de inadequação. Já parou pra pensar nisso?
Existem alternativas?
Sim, e esse é o lado esperançoso da história. A luta contra a obsolescência programada tem ganhado força. Alguns países, como a França, já implementaram leis que obrigam as empresas a informar sobre a durabilidade dos produtos e a oferecer peças de reposição por determinado tempo.
Além disso, há movimentos que incentivam o direito ao conserto, como o Right to Repair, que busca garantir que consumidores e oficinas independentes tenham acesso a manuais, ferramentas e peças para realizar reparos. É um passo importante rumo a um consumo mais consciente e sustentável.
E a nossa parte nisso tudo?
A responsabilidade não é só das empresas – ainda que elas tenham um papel enorme. Nós, consumidores, também precisamos mudar nossa mentalidade. Valorizar produtos duráveis, apoiar marcas transparentes, repensar o impulso de trocar algo só porque surgiu uma versão mais nova... Tudo isso importa.
Pode parecer pouco, mas pequenas escolhas fazem diferença. E, quem sabe, se mais gente questionar, se mais gente se recusar a jogar fora o que ainda pode ser usado, talvez a lógica do mercado mude. Porque, no fim das contas, a obsolescência programada só funciona se a gente continuar aceitando.
Referências Bibliográficas
SLADE, Giles. Made to Break: Technology and Obsolescence in America. Harvard University Press, 2006.
CÁCERES, Juan. Obsolescência programada: o desafio de um consumo sustentável. São Paulo: Edições Sustentáveis, 2018.
PACKARD, Vance. Os desperdiçadores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.
FISCHER, Ernst. A necessidade de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.