A Ilusão da Cidadania no Brasil: Reflexões a partir de Milton Santos


Introdução

Milton Santos, um dos maiores intelectuais brasileiros, fez uma das críticas mais contundentes à estrutura social do país ao afirmar: "Não há cidadania no Brasil, nunca houve! A classe média não quer direitos, ela quer privilégios." Esta frase ressoa como um alerta e um convite à reflexão profunda sobre a construção da cidadania, as desigualdades históricas e o papel das classes sociais na manutenção de estruturas excludentes. Ao longo deste artigo, analisaremos essa fala em sua complexidade, compreendendo os sentidos da cidadania, a formação histórica do Brasil, a atuação da classe média e as implicações para o futuro democrático da nação.


1. O que é cidadania?

Cidadania vai muito além do direito ao voto. Ela implica acesso pleno aos direitos civis, políticos e sociais. Engloba o direito à vida digna, à moradia, à saúde, à educação e ao trabalho. É também o reconhecimento da participação ativa dos cidadãos na construção das políticas públicas. No entanto, para Milton Santos, a cidadania no Brasil sempre foi seletiva, restrita e condicionada.

Ao afirmar que “nunca houve” cidadania, o geógrafo denuncia a exclusão histórica da maioria da população brasileira desses direitos básicos. Desde a formação do país, a cidadania plena sempre foi um privilégio de poucos.


2. O Brasil e a exclusão como projeto

A estrutura social brasileira foi moldada por um sistema escravocrata e patriarcal que permaneceu por mais de três séculos. A abolição da escravatura, em 1888, não foi acompanhada de políticas públicas para inclusão dos ex-escravizados. A população negra foi abandonada à própria sorte, enquanto as elites mantinham o poder econômico e político.

A República também não democratizou a cidadania. A maioria da população continuou à margem, com baixos índices de escolarização, acesso precário à saúde e participação limitada nas decisões políticas. A exclusão social, portanto, não é um desvio, mas parte do próprio projeto de sociedade imposto pelas elites.


3. Classe média: entre o desejo de ascensão e o medo da igualdade

Milton Santos aponta de forma provocadora que a classe média brasileira não luta por direitos coletivos, mas sim por privilégios. Isto é, ela não se mobiliza para garantir saúde pública de qualidade para todos, mas deseja planos de saúde privados. Não defende a escola pública, mas almeja o ensino privado como marca de status.

Essa lógica de diferenciação reforça a segregação social. A classe média muitas vezes vê o Estado como inimigo e o pobre como ameaça. O discurso meritocrático, amplamente defendido por esse grupo, serve para justificar desigualdades e reforçar barreiras sociais.


4. O papel dos meios de comunicação e das ideologias dominantes

A mídia e os discursos hegemônicos desempenham papel central na consolidação da mentalidade de privilégios. A criminalização da pobreza, a exaltação do consumo individualista e o desprezo pelos serviços públicos moldam o imaginário social da classe média.

Essa mentalidade impede a construção de um senso coletivo de pertencimento. O “outro” – o favelado, o indígena, o negro – é visto como inferior ou como ameaça, e não como parte do mesmo tecido social. Isso alimenta o racismo estrutural, o preconceito de classe e a rejeição às políticas de inclusão social.


5. A cidadania como prática coletiva e o desafio da transformação

Para que a cidadania seja efetiva, é necessário romper com essa lógica excludente. Isso exige uma profunda mudança cultural e política. É preciso promover a educação crítica, combater os preconceitos, fortalecer os movimentos sociais e reformular o papel do Estado como garantidor dos direitos fundamentais.

Milton Santos acreditava que o espaço geográfico é um campo de luta. Nele se travam batalhas entre a centralização e a periferia, entre o capital e a vida, entre o privilégio e o direito. A cidadania plena só será possível quando o Brasil for capaz de construir um projeto coletivo baseado na justiça social.


6. Caminhos possíveis: do privilégio ao direito

Para superar a falsa cidadania, o Brasil precisa enfrentar suas contradições. Isso envolve:

  • Reformar o sistema político, ampliando a participação direta da população;
  • Garantir serviços públicos universais e de qualidade, como saúde, educação, transporte e segurança;
  • Enfrentar o racismo estrutural, com políticas afirmativas e reconhecimento histórico;
  • Desnaturalizar a desigualdade, questionando os privilégios e criando uma cultura de solidariedade e equidade.

A cidadania, portanto, não é um ponto de partida, mas uma construção permanente. Requer luta, organização e consciência crítica.


Conclusão

A frase de Milton Santos nos convoca a olhar para a história do Brasil com coragem. Ela escancara verdades incômodas: a cidadania nunca foi para todos, e a classe média muitas vezes se alia à exclusão para manter seus privilégios. No entanto, ela também aponta caminhos. A verdadeira cidadania só será possível quando deixarmos de lado os interesses individuais e construirmos um projeto de país mais justo, inclusivo e solidário. Essa transformação depende de todos nós.


10 Questões de Múltipla Escolha com Gabarito Comentado

1. Segundo Milton Santos, por que “nunca houve cidadania no Brasil”?

A) Porque o Brasil sempre foi uma democracia plena.
B) Porque os direitos sempre foram garantidos a toda população.
C) Porque a cidadania foi historicamente restrita às elites.
D) Porque os pobres nunca quiseram participar da política.
E) Porque a classe média lutou para impedir a escravidão.

Resposta: C
Comentário: Milton Santos critica a exclusão histórica das maiorias populares do acesso aos direitos fundamentais, revelando que a cidadania plena nunca foi uma realidade para todos no Brasil.


2. A classe média, segundo a crítica de Milton Santos, busca principalmente:

A) A igualdade de direitos.
B) A melhoria dos serviços públicos para todos.
C) Privilégios e diferenciação social.
D) A universalização da cidadania.
E) O fortalecimento das políticas sociais.

Resposta: C
Comentário: O autor aponta que a classe média deseja se distinguir dos mais pobres, buscando acesso a bens privados e privilégios sociais.


3. Qual estrutura social histórica contribuiu para a cidadania excludente no Brasil?

A) O sistema feudal.
B) O capitalismo industrial europeu.
C) O sistema escravocrata e patriarcal.
D) O modelo socialista da década de 1930.
E) O neoliberalismo argentino.

Resposta: C
Comentário: O Brasil foi moldado por um sistema escravocrata que marginalizou os negros e pobres, impedindo o acesso à cidadania plena.


4. Para Milton Santos, o espaço geográfico é:

A) Apenas um lugar físico.
B) Um cenário neutro e sem conflitos.
C) Um campo de luta e disputa.
D) Um conceito irrelevante na geografia crítica.
E) Uma área puramente econômica.

Resposta: C
Comentário: Milton Santos vê o espaço como um palco onde ocorrem conflitos sociais, econômicos e políticos entre diferentes grupos.


5. A cidadania plena pressupõe:

A) Acesso a privilégios econômicos.
B) Reconhecimento de direitos apenas para quem trabalha.
C) Participação ativa e acesso universal a direitos.
D) Um Estado mínimo e desregulado.
E) Exclusão de grupos minoritários.

Resposta: C
Comentário: A cidadania só é plena quando todos têm acesso aos direitos civis, políticos e sociais, e participam das decisões coletivas.


6. Um exemplo da mentalidade de privilégio da classe média é:

A) Defender a escola pública para todos.
B) Lutar por transporte gratuito universal.
C) Utilizar plano de saúde privado em vez de exigir melhorias no SUS.
D) Participar de movimentos sociais por moradia.
E) Apoiar cotas raciais nas universidades.

Resposta: C
Comentário: Muitas vezes, a classe média prefere soluções privadas para si em vez de lutar por direitos universais para todos.


7. Segundo o texto, a exclusão social no Brasil:

A) Foi combatida desde a abolição da escravidão.
B) Sempre foi um erro não planejado.
C) É parte de um projeto social das elites.
D) Deixou de existir com a Constituição de 1988.
E) É um problema exclusivamente econômico.

Resposta: C
Comentário: A exclusão não é acidental, mas estruturada pelas elites para manter seus privilégios e o poder social.


8. Um obstáculo à cidadania no Brasil é:

A) O excesso de direitos sociais.
B) O fortalecimento dos movimentos populares.
C) A ideologia da meritocracia.
D) A luta por igualdade racial.
E) A ampliação do acesso à universidade pública.

Resposta: C
Comentário: A meritocracia é frequentemente usada para justificar desigualdades e mascarar os privilégios históricos.


9. Uma proposta para construir uma cidadania mais justa é:

A) Privatizar a educação básica.
B) Reduzir a participação popular nas decisões.
C) Combater o racismo estrutural com políticas afirmativas.
D) Reforçar a seletividade do Estado.
E) Diminuir o investimento em serviços públicos.

Resposta: C
Comentário: Políticas afirmativas e o combate ao racismo são fundamentais para incluir populações historicamente excluídas.


10. Para transformar a sociedade, Milton Santos propunha:

A) A aceitação da desigualdade como natural.
B) A despolitização da população.
C) A manutenção dos privilégios da elite.
D) Uma nova cultura baseada em justiça social.
E) A retirada de direitos civis.

Resposta: D
Comentário: Milton Santos acreditava na possibilidade de um novo projeto de sociedade, baseado na justiça, na solidariedade e na equidade.


Eduardo Fernando

Prof. Eduardo Fernando é Mestre em Educação pela Must University, especialista em Metodologias de Ensino Superior e Educação a Distância. Possui formação em Geografia pela Universidade Norte Do Paraná e Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília.

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