Como e por que milhares de brasileiros cruzam a fronteira do Amapá em busca de oportunidades na Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França na América do Sul
A palavra "Oiapoque" pode ter dois significados para os brasileiros. Para a maioria, é o nome da cidade que marca o ponto mais ao norte do país, na fronteira com a Guiana Francesa. Para um grupo cada vez maior, porém, é também a porta de entrada para uma vida no exterior.
A Guiana Francesa é um território da França na América do Sul, que tem status de departamento ultramarino. Isso significa que, apesar de não fazer parte da França Metropolitana (que fica na Europa), é parte integrante do país e da União Europeia, seguindo as mesmas leis, moeda e sistema político.
Segundo estimativas do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamaraty, 91,5 mil brasileiros viviam na Guiana Francesa em 2022. É a 10ª maior população brasileira em um território estrangeiro, à frente pela primeira vez, por exemplo, da comunidade brasileira na Argentina (90,3 mil) e da própria França europeia (90 mil).
Considerando a população total da Guiana Francesa de 301 mil habitantes, segundo estimativas do Insee, o órgão de estatísticas demográficas da França, o número do Itamaraty equivaleria a quase um terço (30,3%) dos moradores daquele território.
 |
Mas o que atrai tantos brasileiros para a Guiana Francesa? Quais são as oportunidades e os desafios que eles encontram lá? E como é a relação entre os imigrantes e os locais?
Oportunidades e desafios
A principal razão que leva os brasileiros a se mudarem para a Guiana Francesa é a busca por melhores condições econômicas. O território tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,794, considerado alto, e um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 19,9 mil euros (cerca de R$ 123 mil), segundo dados de 2019.
Além disso, a Guiana Francesa usa o euro como moeda, que tem uma cotação muito mais alta que o real. Isso faz com que os brasileiros que trabalham lá possam enviar remessas para suas famílias no Brasil com um valor significativo.
A maioria dos brasileiros que vai para o território é natural de Estados próximos geograficamente, principalmente Amapá, Pará e Maranhão. São, na maior parte, homens, que buscam empregos na área da construção civil e no garimpo.
A construção civil é um setor em expansão na Guiana Francesa, que tem uma demanda por infraestrutura e moradia. Os brasileiros que trabalham nessa área costumam receber entre 1,5 mil e 2 mil euros por mês (entre R$ 9,3 mil e R$ 12,4 mil), segundo relatos de imigrantes.
Já o garimpo é uma atividade ilegal, mas muito lucrativa, que explora o ouro presente nas florestas e rios da região. Os garimpeiros brasileiros podem ganhar até 10 mil euros por mês (R$ 62 mil), mas enfrentam riscos de violência, doenças e repressão das autoridades.
Outras áreas em que os brasileiros atuam na Guiana Francesa são o comércio, os serviços domésticos, a agricultura e a pesca. As mulheres brasileiras também se destacam na área da beleza, oferecendo serviços de manicure, cabeleireiro e depilação.
No entanto, nem tudo são flores na vida dos imigrantes brasileiros na Guiana Francesa. Muitos deles enfrentam dificuldades para regularizar sua situação, pois os requisitos são rigorosos e os processos são demorados. Isso os torna vulneráveis a abusos, exploração e discriminação.
Além disso, os brasileiros sofrem com a barreira linguística, pois a língua oficial da Guiana Francesa é o francês, e muitos não dominam o idioma. Isso dificulta a integração social, cultural e educacional dos imigrantes e de seus filhos.
Outro desafio é a adaptação ao clima e à cultura da Guiana Francesa, que é diferente da brasileira. O território tem um clima tropical úmido, com temperaturas elevadas e chuvas frequentes. A cultura local é influenciada pela diversidade étnica e religiosa, que inclui indígenas, crioulos, europeus, asiáticos e africanos.
Relação entre imigrantes e locais
A presença maciça de brasileiros na Guiana Francesa gera reações diversas entre os habitantes locais. Por um lado, há quem reconheça a contribuição dos imigrantes para o desenvolvimento econômico e social do território, e que valorize a diversidade e a convivência pacífica entre as diferentes comunidades.
Por outro lado, há quem veja os brasileiros como uma ameaça à identidade e à soberania da Guiana Francesa, e que os acuse de roubar empregos, recursos e benefícios sociais dos locais. Esses sentimentos podem gerar tensões, conflitos e atos de xenofobia contra os imigrantes.
Um exemplo disso foi o que aconteceu em 2017, quando uma série de protestos e greves gerais tomou conta da Guiana Francesa, reivindicando mais investimentos e segurança por parte do governo francês. Na ocasião, alguns manifestantes chegaram a pedir a expulsão dos brasileiros do território, alegando que eles eram responsáveis pela violência e pelo desemprego.
Para tentar melhorar a relação entre os imigrantes e os locais, existem algumas iniciativas de integração e de valorização da cultura brasileira na Guiana Francesa. Uma delas é o Carnaval, que é uma festa popular que reúne milhares de pessoas nas ruas de Caiena, a capital, e que tem forte influência brasileira, com desfiles de escolas de samba, blocos e fantasias.
Outra iniciativa é o projeto "Brasilidades", que é uma associação cultural que promove eventos, cursos, oficinas e exposições sobre a arte, a música, a dança, a gastronomia e a história do Brasil na Guiana Francesa. O objetivo é mostrar a riqueza e a diversidade da cultura brasileira, e criar pontes de diálogo e respeito entre os povos.
A Guiana Francesa é, portanto, um destino que oferece oportunidades e desafios para os brasileiros que decidem se aventurar por lá. É também um lugar que revela a complexidade e a beleza da imigração, que é um fenômeno humano que transforma as sociedades e as culturas.
Referências
(1) O surpreendente 'país' onde imigrantes brasileiros podem ser 30% da .... https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/10/03/o-surpreendente-pais-onde-imigrantes-brasileiros-podem-ser-30-da-populacao.ghtml.
(2) Imigrantes: o surpreendente ‘país' onde brasileiros podem ser 30% da .... https://www.bbc.com/portuguese/articles/c51q1qqqww1o.
(3) Guiana Francesa | Tudo Sobre | G1. https://g1.globo.com/tudo-sobre/guiana-francesa/.
